14 de fev. de 2014

Visão Espírita do Homem



Autor: Deolindo Amorim

á se sabe que o perispírito não é uma invenção
do Espiritismo, como não é um conceito abstrato.
É um elemento real, que tem propriedades e
toma formas visíveis. Com o Espiritismo,
entretanto, em virtude das experiências
mediúnicas que já se acumularam até hoje, o
estudo desse “corpo intermediário”
necessariamente se tornou mais específico,
permitindo que se lhe reconheçam propriedades
relevantes no mecanismo psico-fisiológico. Além
de outros autores, considerados clássicos na
literatura espírita, Gabriel Delanne dedicou boa
parte de seus trabalhos ao perispírito, e trouxe,
por isso mesmo, uma contribuição significativa e
ainda válida em toda a plenitude. Estudou ele,
por exemplo, as “Provas da existência do
perispírito - sua utilidade - seu papel”, no
alentado livro O Espiritismo perante a Ciência. E,
assim, em toda a obra de Delanne, realmente
portentosa, há o que se estudar e pensar a
respeito do perispírito. Não se precisaria fazer
referência a outros, aliás bastante conhecidos no
meio espírita, porque não temos objetivo de
erudição nesta breve crônica jornalística.
Queremos acentuar, sim, o perispírito ou
mediador fluídico tem funções próprias no
composto humano, não é uma criação
imaginária...
Na antigüidade oriental, como na grega, como
entre doutores da Igreja, admitiu-se claramente
a existência de uma “substância”, um corpo, um
elemento equivalente, afinal de contas, entre as
duas realidades fundamentais: a matéria e o
Espírito. Os nomes são diversos e, por isso, há
uma infinidade de expressões para traduzir a
significação do perispírito (terminologia do
Espiritismo) no conjunto psicossomático. Existem
até uns tantos preciosismos de linguagem,
verdadeiras sutilezas verbais para dizer o que
seja, no fundo, esse “corpo bioplásmico”,
segundo a moderníssima denominação
resultante de experiências realizadas na Rússia.
Há contextos espiritualistas em que se encontra
o perispírito, dividido ou apresentado sob outras
rubricas, com as especificações que lhe são
atribuídas. Mas o que é fundamental no caso é a
existência, necessária, de um elemento que se
interpõe no binômio corpo-espírito. A Doutrina
Espírita prefere chamá-lo simplesmente de
perispírito, com explicações acessíveis a todos os
níveis de instrução.
Sob o ponto de vista histórico, entretanto, além
do que já se encontra em velhas fontes orientais,
como noutros ramos da literatura antiga, convém
considerar que na Escolástica primitiva, muito
influenciada por Platão e Agostinho, também se
admitiu a constituição trinária do ser humano:

1) a alma habita numa casa que lhe é
essencialmente estranha; o corpo é o albergue, o
hábito, o recipiente, o invólucro da alma; além de
semelhante imagem, é também usada a do
matrimônio.
2) o corpo e a alma estão unidos por um “spiritus
physucys”, que serve de intermediário;
3) corpo e alma estão unidos pela personalidade
como em uma espécie de união hipostática.
(Barnarco Bartmann - “Teologia Dogmática” - I
vol., Edições Paulinas)

Tão forte lhe parece a união da alma com o
corpo, com a intercalação desse - “spiritus
physucus”, que funciona como intermediário, que
o Autor chega a compará-la a uma espécie de
união hipostática, isto é, união do Verbo divino
com a natureza humana. A idéia de um
“invólucro” ou “intermediário”, uma vez que o
Espírito precisa de um revestimento para que
possa conviver com o corpo, faz parte dos
contextos espíritas, sejam quais forem os nomes
que se lhe dêem. É o persipírito, sem tirar nem
por.
Como o perispírito, a reencarnação, por sua vez,
também já teve adeptos na Igreja, embora contra
ela se tenha pronunciado e firmado sentença o
Concílio de Constantinopla. Mas o certo é que
Orígenes, teólogo e exegeta, defendeu a tese da
preexistência, o que, aliás, é fato muito citado.
Outros teólogos, como se sabe, adotaram a tese
“criacionista”, isto é, a criação da alma com o
corpo ou para o corpo. Justamente nesse ponto,
um dos maiores doutores de sua época - Santo
Agostinho - se defrontou com dificuldades para
conciliar a criação da alma com o “pecado
original”. Quem o diz é ainda Bartmann, na
mesma obra (já referida), e ele próprio, o autor
de “Teologia Dogmática”, também encontra
obscuridade. Vejamos: Se é incompreensível que
a alma derive do ato corpóreo da geração,
todavia também o criacionismo apresenta não
pequenas dificuldades. Já Santo Agostinho não
sabia explicar como a alma, criada por Deus,
podia nascer com o pecado original. A
dificuldade conserva seu valor também para nós.
Outra dificuldade pode surgir da consideração de
uma criação contínua até o fim do mundo, de um
número incalculável de atos diretos de Deus. mas
o ponto-chave do problema, como denuncia o
Autor, está justamente nesta decorrência da tese
“criacionista”: Pareceria, por fim, necessário
admitir uma cooperação imediata de Deus, nas
numerosas gerações manchadas pela culpa. Não
se pode responder à primeira dificuldade senão
recorrendo ao mistério do pecado original. E no
mistério esbarra tudo, não há mais saída para o
raciocínio...
Contrapondo-se à idéia da criação do Espírito
juntamente com o corpo, a Doutrina Espírita
propõe outra análise do problema, nestes
termos:
“Donde vem a aptidão extranormal que muitas
crianças em tenra idade revelam, para esta ou
aquela arte, para esta ou aquela ciência,
enquanto outras se conservam inferiores ou
medíocres durante a vida toda?”
“Donde, em certas crianças, o instinto precoce
que revelam para os vícios ou para as virtudes,
os sentimentos inatos de dignidade ou de
baixeza, contrastando com o meio em que elas
nasceram?” (O Livro dos Espíritos - questão 222).
Se, realmente, o Espírito fosse criado por Deus
no ato do nascimento, seria o caso de admitir,
ainda que por absurdo, criação de indivíduos que
nascem com tendências para a perversão ou para
a delinqüência. Seria obra de Deus?!...
A tese da preexistência explica as inclinações
inatas para o bem ou para o mal, embora a
Doutrina Espírita não negue a influência
fortíssima da educação, do meio social, da
cultura e de outros fatores contingentes. Mas o
Espírito, ao voltar à Terra, pela reencarnação,
traz certa bagagem de conhecimentos, virtudes
ou vícios, responsáveis pelo curso de sua
existência, com todos os altos e baixos deste
mundo. Deus não iria criar para a vida um
Espírito que já estivesse marcado com as paixões
inferiores. Todos começam “simples e
ignorantes” - ensina a Doutrina - mas o próprio
arbítrio, que é indispensável à experiência
individual, pode desviar o Espírito da rota mais
justa e levá-lo aos despenhadeiros morais.
“Simples e ignorantes” é a expressão textual da
Doutrina “O Livros dos Espíritos - questões 115-
121-133-634. É o ponto de partida. Daí por
diante, cada qual adquire sua experiência através
das vidas sucessivas. É um princípio que nos faz
compreender a responsabilidade individual, ao
passo que, se admitíssemos a criação juntamente
com o corpo, chegaríamos a esta conclusão a
fatal: se a criatura é má, se abusa de suas
faculdades ou de seus recursos para dar
expansão a tendências viciosas, não é
responsável por seu procedimento, uma vez que
nasceu assim, foi criada assim por Deus,
colocada no corpo, ao nascer, com todas as suas
mazelas morais. No entanto, o princípio da
responsabilidade individual é válido no tempo e
no espaço, segundo o Espiritismo.
Outra, portanto, é a perspectiva da reencarnação,
que já teve defensores no seio da Igreja, embora
condenada, mais tarde, como heresia. O
desenvolvimento do Espírito modifica o
perispírito, e este, pela ação plasmadora, tem
influência sobre o corpo. Como já vimos, não
apenas Platão, luminar da constelação grega da
antigüidade, esposou a concepção trinária do
homem, mas entre escolásticos também houve
partidários dessa concepção. O homem tríplice
não desagrega a unidade básica do EU. Com esta
visão antropológica, a Doutrina Espírita situa o
homem na Terra, em relação ao presente e ao
passado, apontando-lhe o caminho do futuro,
sem ilusões nem quimeras.

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