Todos sofrem quando alguém querido desencarna, e os sentimentos que acompanham esse período, que culturalmente classificamos como ‘luto’, fazem parte do processo de adaptação à nova situação sem aquela pessoa. O importante é lembrar que passar por essa fase sem maiores danos é possível, desde que estudando, perguntando, conhecendo e aceitando que o desencarne um dia vai chegar.
Segundo a teóloga espírita Karina Gryzynski, pensar na vida como algo que termina, se extingue, acaba ou desaparece, nos coloca como seres sem sentido de existir, portanto, sem necessidades de novos conhecimentos, de autoconhecimento ou de fazer identidade. “Aceitamos o finito para um sorvete, um livro, um carro, uma casa, uma viagem, uma peça de roupa ou para outro objeto qualquer, mas, nunca, jamais, para um ser humano. Sofremos com os revezes da vida levados pelas ondas das contrariedades, dos sonhos que não se realizaram ou das conquistas efêmeras, mas sofremos mais quando são levados nossos entes queridos”, ressalta.
Independente da maneira como ocorre o desencarne, seja ele repentino ou não, lidar com esse tipo de separação é muito desgastante. Choro, raiva, angústia, tristeza e tantos outros sentimentos fazem parte da enxurrada de emoções que passam pela cabeça e familiares e amigos nesse momento. E, por mais difícil que seja aceitar, todo esse processo faz parte da vida de qualquer ser humano. Muitos filhos se revoltam com algumas restrições impostas pelos pais, contudo, mais tarde, depois de algum amadurecimento, admitem que seus pais estavam certos e que era tudo para o seu bem.
“Nossa cultura ocidental encara o desencarne como uma coisa misteriosa, dolorosa, angustiante e que devemos evitar até de pensar para não atraí-la, como se assim pudéssemos fazer. O primeiro passo para conseguirmos falar com tranquilidade sobre a morte do corpo é tirar o aspecto fúnebre, mórbido, terrível e sobrenatural que perdura há milênios sobre o assunto”, explica a teóloga espírita Themis Nascimento Busse.
É preciso entender que as pessoas estão diante de uma coisa inevitável, e a maneira como se vive é o diferencial para o preparo para este tipo de situação. “Pensar no desencarne incomoda, porque viver também incomoda. Afinal, o homem vive em busca de um significado para a vida e tenta constantemente encontrá-lo, muitas vezes imaginando que o seu corpo é imortal e que o desencarne nunca vai chegar. Desta forma, nega-se uma das certezas que temos na vida: estamos temporariamente na Terra, e podemos lidar bem ou mal com o desencarne, mas não podemos fugir dele”, diz Themis.
Inevitável ou não, para a secretária executiva Alessandra Silva, o desencarne de sua mãe foi muito difícil. Após um infarto fulminante no começo do ano, a mãe de Alessandra deixou, além dela, outros dois filhos e o marido. Para a família, essa situação inesperada gerou um clima de ressentimento e inconformismo. “Foi muito rápido. Ninguém esperava o que aconteceu”, relata a secretária. “Ela tinha tido um mal-estar no final do ano, mas nos exames não tinha aparecido nada”.
Encarar a dor da separação também envolve lidar com os sentimentos de posse e egoísmo. Em geral, o ser humano insiste em querer que a pessoa querida fique viva para que o amor não desapareça junto com ela. Sabe-se, porém, que tanto o amor quanto o ser amado não desaparecem com o desencarne.
“Nas primeiras semanas meu tio, irmão dela, ligava e começava a chorar no telefone. Por mais que eu tentasse me segurar, as lágrimas vinham. Meu tio não se conformava com a partida dela”, lembra Alessandra.
Para lidar com a situação, a secretária contou com o apoio dos irmãos e amigos. “No começo foi difícil, nossa ligação era muito grande, mas meu irmão já frequentava um centro espírita e alguns amigos espíritas também me presentearam com livros, conversaram comigo e fui compreendendo que se isso aconteceu é porque ela cumpriu sua missão. Ela teve uma vida muito feliz”, conta Alessandra. “Apesar de ainda ter alguns momentos de fraqueza, hoje também frequento o centro, participo dos passes, fico mais em paz ao entender que ela está em um lugar melhor e seguindo o caminho dela”, desabafa.
Outra forma de encarar os sentimentos que afloram quando desencarnes ocorrem é sublimando a dor. Apesar de ser um mecanismo de defesa, diante da falta de tempo para se adaptar aos fatos, essa forma de lidar com os sentimentos pode gerar resultados positivos. “No momento do luto a energia concentrada é tão grande que temos que dar vazão a ela, isto é, procuramos uma saída socialmente aceitável para extravasar tal emoção. Isso não é de todo mal. É daí que surgem grandes músicas, obras literárias, grandes atletas”, explica o psicólogo Allan Augusto de Araújo. Também são nos momentos de sublimação da dor que surgem projetos sociais. Como exemplo, é possível citar a experiência de pais que tiveram seu filho desaparecido e fundaram uma associação para crianças desaparecidas.
A DOR DA SEPARAÇÃO
Não existe uma receita para lidar com o desencarne. A única certeza é de que um dia ele será realidade para todos. Então, o que é possível fazer para aliviar a dor quando o desencarne ocorre? Antes de tudo, conhecer e compreender sua ação na mente e no organismo. O que para a Doutrina Espírita é conhecido como desencarne, para a psicologia tradicional é tratado como mais um processo de perda Segundo a psiquiatra Elizabeth Kluber Ross, em seu livro “Sobre a Morte e o Morrer”, o período que envolve esse tipo de perda pode ser dividido e compreendido em cinco fases: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Nessas fases é que ocorrem explosões de sentimentos, promessas e negociações, isolamento e, por fim, o despertar da consciência em relação ao desencarne.
É claro que entender o desencarne não significa aceitá-lo sem sofrer. A dor faz parte das emoções que todos têm, seja no plano material ou espiritual. Quando vem a notícia do desencarne se é retirado de uma zona de conforto, às vezes, bruscamente, sem a oportunidade de, eventualmente, fazer o que ainda não tinha sido feito. Para o psicólogo Araújo, a conclusão é que “o sofrimento aparecerá, mas a intensidade dependerá da personalidade e da história de vida de cada um”. Para a Doutrina Espírita, o sofrimento dependerá do entendimento de cada um sobre o significado da sua vida, de como a aproveitou até o momento, de como se relacionou com o espírito que deixou a Terra.
Outros fatores também podem influenciar a experiência vivida quando acontece uma perda. Segundo Araújo, são eles:
• O momento do ciclo de vida em que tal pessoa deixou a Terra (quanto mais jovem o ente querido mais difícil a aceitação);
• O papel que esta pessoa desempenhava na família;
• Como esta família lidou com a morte do corpo físico em situações anteriores e qual sua crença a respeito;
• Se a perda era esperada ou não. Mesmo assim, a dor pode ser amenizada com o entendimento e a compreensão da vida. “Todos os dias vivemos pequenas perdas que nos fazem refletir na capacidade de enfrentarmos uma nova situação que ainda não havíamos experimentado. Portanto, falar do desencarne nos remete a pensar na vida, a refletir sobre como temos vivido, como temos sentido, como temos aproveitado nossos potenciais e como nos relacionamos com nossos entes queridos”, ressalta a teóloga espírita Themis.
DOUTRINA ESPÍRITA
Segundo a Doutrina Espírita, não há finitude em relação ao espírito. Cada um de nós, espíritos, é imortal. O desencarne não é encarado como um fim, mas o recomeço para outra vida. Segundo Themis, “o que se denomina morte faz parte das leis naturais, assim como o nascimento. Nascimento, morte, renascimento são transformações naturais da própria vida do espírito imortal, sujeito à evolução. Morte, portanto é transformação, não fim. Por isso a importância de aproveitar o momento presente com atitudes saudáveis e amor ao próximo”.
O corpo morre, mas o espírito não. O espírito continua sua trajetória evolutiva em outros planos e pode voltar a reencarnar. Desta forma, conclui-se que, para os espíritas, a dor vem do sentimento de ausência e não da finitude. Por isso a importância de compreender o significado e as prioridades da vida na Terra. “A fé no Creador, na perenidade do espírito e na comunicação através do pensamento com os entes que partiram possibilitam maior compreensão deste afastamento temporário, desta condição limitante da matéria. O Espiritismo conforta ao mesmo tempo em que ensina”, analisa a teóloga espírita Karina. Na opinião da teóloga, o Espiritismo traz mais esclarecimentos e, portanto, mais conforto, na medida em que mostra a temporalidade e a importância do homem na Terra. “A cada reencarnação o espírito expande os laços de afetividade deixando registrado em si e, por onde passa, as experiências que viveu; sendo que, boas ou más, estas experiências servirão como fio condutor de reflexão e meditação, também quando desencarnado, para que conforta ao mesmo tempo em que ensina”, analisa a teóloga espírita Karina.
Na opinião da teóloga, o Espiritismo traz mais esclarecimentos e, portanto, mais conforto, na medida em que mostra a temporalidade e a importância do homem na Terra. “A cada reencarnação o espírito expande os laços de afetividade deixando registrado em si e, por onde passa, as experiências que viveu; sendo que, boas ou más, estas experiências servirão como fio condutor de reflexão e meditação, também quando desencarnado, para que possa estabelecer novas metas para uma próxima reencarnação visando transformar comportamento e evoluir”.
A consciência das próprias realizações, sem reter amarguras e frustrações, colhendo os frutos das boas experiências, lembrando com afeto (e não com melancolia) dos bons momentos, aceitando que mais uma etapa do processo natural de existir foi cumprida, e tendo consciência da justiça universal expressa através da fé em Deus são alguns passos para mais facilmente compreender o desencarne e seguir em frente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário