Vera Meira Bestene
O trabalho, a consciência do trabalho, da atividade constante em prol de nós mesmo e de outrem, é necessidade evolutiva e oferecida a todos em igualdade de condições, depende de nós, diante das responsabilidades assumidas, colocarmos a prova as nossas atitudes.
Na conceituação genérica trabalho é a “ocupação em alguma obra ou ministério; exercício material ou intelectual para fazer ou conseguir alguma coisa”
Nos mundos mais evoluídos e nos inferiores, a natureza do trabalho não é a mesma, pois que ela está diretamente ligada às necessidades de cada um, sendo a inatividade, a ociosidade, um verdadeiro suplício.
Em “O Evangelho Segundo o Espiritismo” Allan Kardec nos norteia o princípio da Lei do Trabalho através das máximas “ajuda-te que o céu te ajudará e, análoga a esta, “buscai e achareis”, pois que aí encontramos a verdadeira noção que instiga, incita o homem a trabalhar, fazer a sua parte, para que possa, assim ser ajudado por Deus.
Diz o Cap. XXV, item 3:
”Se Deus houvesse isentado o homem do trabalho do corpo, seus membros estariam atrofiados; se o houvesse isentado do trabalho da inteligência, seu espírito teria permanecido na infância, no estado de instinto animal; por isso, lhe fez do trabalho uma necessidade e lhe disse: Procura e achará, trabalha e produzirás; dessa maneira, serás o filho das tuas obras, delas terás o mérito e serás recompensado segundo o que tiveres feito.”
Na realidade não importa o esforço físico que cada qual tenha que desprender para atender as faixas menos favorecidas da cultura e do destaque social, pois que o trabalho dignifica quem o executa e é-lhe garantia de crescimento. Não se há de fazer comparações ou medições de quanto trabalho se tem de executar, o que importa é ir à luta, semear para poder frutificar.
Sendo a Lei do Trabalho uma lei natural, motivo porque é uma necessidade, engloba os trabalhos materiais, assim como toda ocupação útil. (O Livro dos Espíritos p. 675)
O trabalho está alicerçado em princípios morais, principalmente no amor, e, por isto mesmo, ao lado da oração, é um dos maiores antídotos contra o mal, pois que corrige imperfeições e disciplina a vontade. “A ociosidade é a casa do demônio” é a máxima popular que bem explica que quando nada se faz se faz muito mal, pois que aí estão o egoísmo, o pensamento deprimente, a negatividade e as tentações.
O trabalho, entretanto, longe de ser apenas aquele de ordem material, física, é também aquele que se desenvolve através de ações inteligentes, intelectuais, objetivando a cultura, a arte, o conhecimento, o desenvolvimento e a ciência.
O trabalho do homem objetiva a transformação para melhor. Isto na generalidade. Desdobra-se o arquiteto para produzir imóveis cada vez mais modernos e adequados à realidade de um local e época; o economista busca ajustar as riquezas sociais a fim de que haja sempre progresso financeiro. O carpinteiro trabalha em móveis de estrutura rígida que se lhe justifiquem a tarefa e estejam íntegros para o ambiente a que se propõem. O médico trabalha com afinco para salvar vidas e fazer a prevenção. O cientista submete-se a buscas longas, aparentemente intermináveis, com o fim de ampliar e melhorar as condições de vida do planeta e seus habitantes. Todos motivam-se por atividades instintivas de conservação da vida e de conhecimento social.
Esta é a ação natural e primeira do homem: produzir para suprir suas necessidades imediatas.
Buscando um pouco na história, vemos o homem se utilizando das reservas animais e vegetais. Com o decorrer dos tempos as reservas foram se rareando, As fontes naturais se exaurindo. No período da pedra lascada já jogou-se a buscar mais recursos, ampliando assim seu trabalho já com a ajuda de instrumentos rudes. Mais tarde lançou-se à agricultura e, da terra, passou a extrair os bens necessários a sua subsistência e também ao seu crescimento financeiro. Depois, domesticou animais e os rebanhos renderam-lhes atividades mais estáveis. Com o aparecimento de instrumentos mais aprimorados, do comércio crescente, do aparecimento e evolução da indústria, foram fomentados recursos novos e, paulatinamente, as dificuldades iniciais serviram de base ao equilíbrio social e, posteriormente, o trabalho remunerado, a divisão de classes decorrente do próprio trabalho.
Podemos ver que a própria evolução material do homem está ligada diretamente ao trabalho. Com os tempos e as reencarnações, as evoluções oriundas do trabalho intelectual, produzindo melhoramento da forma de produzir, pois que ao homem cabe a missão de trabalhar pela melhoria do planeta.
Assim, podemos dizer que o trabalho remunerado é a forma que o homem tem de modificar o meio que vive e produzir a melhoria do Planeta.
Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, em seu cap. XVI, item 7, em uma simples leitura, podemos verificar a verdade das necessidades materiais, compreendendo também que “na satisfação das necessidades materiais, o ajudará mais tarde a compreender as grandes verdades morais. Sendo a riqueza o meio primordial de execução, sem ela não mais grandes trabalhos, nem atividades, nem estimulante, nem pesquisas. Com razão, pois, é a riqueza considerada elemento de progresso.”
Há, entretanto, uma outra forma de trabalho, este que não rende moeda, nem produz conforto maior, tampouco crescimento permanente da conjuntura econômica. Este é o trabalho-abnegação, do qual não produz troca ou remuneração mas que redunda em crescimento de si mesmo no sentido moral e espiritual. Modernamente a este trabalho dá-se o nome de TRABALHO VOLUNTÁRIO.
O primeiro caso, o trabalho gerando crescimento material e progresso social, se desenvolve uma melhora exterior da criatura, enquanto o segundo, o trabalho voluntariado, ascende no sentido vertical da vida e modifica, transforma o homem de dentro para fora, superando a si mesmo como instrumento da misericórdia divina.
Jesus é exemplo destes dois tipos de trabalho. Enquanto carpinteiro, dedicado, com José laborava. Ele, ativamente, mostrando a importância do trabalho, ensinando que o trabalho em atividade honrada é o dever primeiro para a manutenção do corpo e da vida terrena. Seguidamente a isto teve Jesus um ministério de amor, um verdadeiro trabalho de autodoação até o sacrifício da própria vida.
Seu exemplo infunde coragem estimula o trabalho-serviço, o trabalho-redenção, fraternal, procurando manter a sociedade unida, acalentando os menos favorecidos, dando conforto aos necessitados de toda ordem.
Podemos perceber, portanto, que o trabalho voluntariado é muito antigo, pois que foi inventado por Jesus Cristo, quando às margens da Galiléia chamou os pescadores Simão Pedro Barjonas e seu irmão André, João e seu irmão Tiago, os dois filhos de Zebedeu, para uma jornada que jamais terminaria. Trabalho voluntário e mais trabalho voluntário os esperava ao longo do tempo, das horas, dos dias, dos anos, dos séculos e milênios.
Aceitaram trabalhar de graça, e como lucraram!
Na Segunda Carta de Timóteo (2:6) Paulo adverte que o lavrador que trabalha deve ser o primeiro a gozar os frutos.
Hão de se perguntar: Como gozar os frutos se não recebemos dinheiro pelo que produzimos?
Emmanuel, no livro Perante Jesus nos fala do trabalho voluntariado explicando–nos como nos chega a remuneração mais do que compensadora por trabalharmos pelo simples prazer de servir, desinteressadamente.
Quando o trabalho se transforma em prazer de servir surge o ponto mais importante da remuneração espiritual: Toda vez que a justiça divina nos procura no endereço exato para a execução da sentença que determinamos a nós próprios, segundo a lei de causa e efeito, se nos encontra a serviço do próximo, manda a justiça divina que seja suspensa a execução, por tempo indeterminado.
Assim, podemos entender que todo mal que cometemos estamos nos sentenciando de forma a constituir dívida correspondente a que estamos obrigados a pagar pela lei de causa e efeito. É dando que se recebe, nos ensinou Jesus. O que fazemos ao próximo volta com a mesma intensidade.
Sócrates já considerava que o bem e o mal nada mais eram que a sabedoria e a ignorância, pois que o ignorante concretiza o mal porque não sabe que mais tarde será obrigado a quita-lo, a ajustar contas. Mas, como dissemos, quando se nos encontramos a serviço do próximo, a Justiça Divina manda que o pagamento seja suspenso. Pedro, na sua Carta Universal (4.8) já profetisava: “Tende caridade para com os outros, porque a caridade cobrirá a multidão de pecados”.
A caridade e todo o bem que conseguirmos amealhar na vida presente, será descontado na dívida que contraímos no passado, seja nesta ou em existência anterior. No acerto de conta, quando forem colocar nossa conta na balança, certamente haverá a compensação de nossas ações caridosas e nossas dívidas diminuirão ou até desaparecerão, dependendo do crédito de amor que acumularmos.
O trabalho é alimento da alma e cumpre-nos observar que o trabalho desinteressado não é objeto de troca ou remuneração, de quaisquer espécies. Precisamos compreender que doar trabalho é doar amor, boa vontade, sem escolher a quem e muito menos julgando o merecimento deste ou daquele para quem está rendendo o trabalho.
As pessoas nem imaginam o bem que estão fazendo a si próprias quando se dedicam a realizar algum trabalho sem a respectiva recompensa financeira. O Voluntariado é hoje uma verdadeira explosão, uma vez que está transformando hábitos, sobretudo quando realizado por jovens. É uma característica comum aos jovens a vontade de ajudar, de ser útil, de diminuir a dor alheia, praticando assim a solidariedade. O incentivo cabe a nós, mais velhos, exerce-lo.
Querem eles oferecer um pouco do seu tempo, uma parcela apenas do fruto de sua profissão, um pedacinho de seu coração a instituições voltadas para causas nobres ou que cuidem de seres humanos com provas dolorosas. O voluntariado espírita é essencialmente um doador de seu próprio trabalho e a princípio poucos são os que percebem, mas são felizes porque têm algo para oferecer; sobra-lhes boa vontade e disposição.
As maravilhosas obras beneméritas e de caridade erguem-se no planeta, materializando pensamentos de bondade. Todos somos chamados a produzir obras de trabalho desinteressado, aquele que é abnegado e exige a doação plena.
Ao trabalho voluntariado todos fomos chamados, basta parar para pensar que esta é a mais pura verdade. Entretanto, aos que deixaram passar a oportunidade, conclamamos agora: Venha compor esta fileira. Deixe as desculpas do “não tenho tempo”, “meus filhos são pequenos”, “meu marido é sistemático”, “quando aposentar vou ajudar vocês”, “minha família necessita de mim”. Estas são apenas umas das muitas desculpas usuais e corriqueiras daqueles que fogem, adiam a tarefa do auxílio. É necessário se conscientizar da responsabilidade que temos em relação ao próximo. A firmeza de propósitos, o espírito de altruísmo precisam ser ativados. O maior beneficiado é sempre quem auxilia. Emmanuel, no Livro Pronto Socorro recomenda:
“Não te esqueças do tempo e auxilia agora”.
É tempo de agir, de aprender que o doar-se de forma absolutamente desinteressada, é semeadura de amor e libertação, pois que a justiça divina dá a cada um segundo o seu merecimento e o seguimento da máxima de Cristo “Ama o próximo como a ti mesmo” extirpando o egoísmo e a arbitrariedade que devem ser banidos o quanto antes de nosso comportamento. O trabalho é e será o único meio de evolução do ser encarnado ou desencarnado e, sem trabalho, não há progresso, sem trabalho voluntariado não há evolução espiritual e não há luz. A forma que cada um pode ser mais útil para o maior número de pessoas, é análise pessoal, mas nos cabe alertar a importância do auxílio, da cooperação de acordo com a capacidade e possibilidade de cada um, mas sempre há e haverá um trabalho, uma tarefa que diante da boa vontade e do amor, será sempre, simples, prazerosa e fácil.
Realiza o teu compromisso, por menos significante que te pareça, pois que esta será a base para grandes realizações futuras.
Hoje, tantos anos já passados, o trabalho tem leis que o regem para que a sociedade possa ser mais justa, devido a imperfeição natural dos homens que neste Planeta habitam. Cumpre às Casas Espíritas o cuidado de fazer o registro de seu corpo de voluntariado, cumprindo assim as necessidades das leis humanas.
Os valores de fé, de amor e de persistência, nos levam à reflexão de que a caridade deve substituir a filantropia, sendo trabalho útil, ativo, passando a existir nos moldes dos mundos superiores, onde o trabalho em lugar de ser impositivo, é conquista do homem livre que serve sempre, sem cessar, buscando sempre assistir mas promover o ser humano, buscando ensinar a pescar, não apenas dando o peixe, como nos ensinou .
“Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus” Pedro 1: 4.10 .