
Novembro de 1918. O conflito mais violento da história, a Primeira Guerra Mundial – pesadelo da Europa pelos últimos quatro anos – está prestes a ter um fim. Enquanto isso, em Minas Gerais, o professor Eurípedes Barsanulfo, à época com 38 anos, está de cama. Tem febre, calafrios e tosse sangue quase sem parar. Eurípedes seria um dos mais de 280 mil brasileiros vítimas da gripe espanhola, que havia chegado ao país dois meses antes – e levado até o Presidente da República.
Naquele ano, a epidemia – extremamente contagiosa e mortal – atingiu em cheio a cidade mineira de Sacramento, onde vivia. Em poucos dias, pilhas de corpos acumularam-se nas ruas. Embora Eurípedes nunca houvesse frequentado uma faculdade, era um leitor compulsivo, o que lhe conferia conhecimentos úteis sobre a Medicina da época. Assim, mais do que prontamente, ofereceu-se para ajudar. O que se revelaria uma tarefa muito perigosa: Eurípedes mesmo contraiu a gripe enquanto tratava dos enfermos. Um risco que ele estava disposto a correr: afinal, ajudar os necessitados era o que ensinava a Doutrina Espírita, que ele vinha seguindo à risca há 15 anos. Caridade, a qualquer preço. Era o certo a ser feito.
Nascido em Minas Gerais, no ano de 1880, Eurípedes Barsanulfo teve uma infância pobre. O baixo salário de seu pai sustentava uma família numerosa. Autodidata, primeiro da turma, tinha o hábito de ler tudo o que estivesse ao seu alcance. Tudo mesmo. Os assuntos eram os mais diversos: Astronomia, Direito, Filosofia, Literatura, Matemática, Medicina (inclusive Homeopática) e Ciências Naturais.
Em 1902, aos 22 anos, estava a todo vapor: fundou uma pequena escola, o Liceu Sacramentano, e ajudou a estabelecer um jornal semanal, a “Gazeta de Sacramento”, onde publicava artigos sobre Economia, Literatura e Filosofia. Tornou-se vereador por alguns anos, mas rápido aborreceu-se com a política.
Mais ou menos nessa época teve seu primeiro contato com o Espiritismo. Tentando dissuadir um tio teimoso, foi presenteado com o livro “Depois da Morte”, do espírita francês Léon Denis, discípulo direto de Allan Kardec. Eurípedes, a princípio relutante – era católico em uma sociedade fervorosamente religiosa -, surpreendeu-se com os conceitos e a perspectiva apresentados na obra. Conta-se que nem dormiu naquela noite. Era um argumentador nato, e ficou difícil negar que o texto tinha, no mínimo, alguma lógica. A teoria era esquisita, de fato, mas estava fundamentada em idéias simples e sólidas. Começou uma pesquisa mais apurada sobre o assunto, participou de encontros espíritas para tirar dúvidas práticas e, por fim, acabou convertendo-se definitivamente.
Eurípedes apaixonou-se pela Doutrina. Começou, quase que imediatamente, a desenvolver suas faculdades espirituais. Que, sim, eram muitas. Foi um médium extremamente completo, com toda uma gama de talentos.
O “Apóstolo do Triângulo Mineiro”, como ficou conhecido, fundou farmácias e o Grupo Esperança e Caridade, que promovia medidas sociais. Também criou o Colégio Allan Kardec, provavelmente seu maior feito – a primeira escola cem por cento espírita do mundo! Era um visionário. Eurípedes aplicou, na prática, diversos conceitos e métodos de ensino que só hoje começam a ser introduzidos, de maneira rudimentar, em salas de aula. Criou turmas mistas de ambos os sexos, integrando também professores e alunos negros – lembre-se: a escravatura tinha acabado há menos de 20 anos! As aulas contavam com horários altamente adaptáveis, e duravam o tempo necessário (para mais ou para menos), consistindo, basicamente, de conversas amistosas, debates e passeios. Todos os professores trabalhavam voluntariamente, e de forma colaborativa. Mesmo as aulas sobre a Doutrina Espírita eram comparativas e contextuais (Eurípedes fora um militante do ensino laico).
Foi um dos maiores nomes do Espiritismo no Brasil, com uma vida integralmente dedicada à caridade e ao aprendizado. Por isso, em 1988, quando surgiu a idéia de fundar uma escola baseada sobre princípios espíritas na cidade de Sobradinho, ninguém teve dúvidas: o nome seria Educandário Eurípedes Barsanulfo.
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