
Ela também o odiava, pois em suas bebedeiras abusava dela sexualmente, atitude incompreensível e imperdoável, segundo sua opinião de mulher ultrajada.
Diante de tanto sofrimento, adentrou o túmulo enlouquecida, sendo recolhida por amigos espirituais que, depois de demorado tratamento, a trouxeram para uma catarse.
- Você acredita que Deus é justo? - perguntei-lhe
- Acredito! Mas não entendo como a sua justiça age.
- Se você admite a existência de um Deus justo, deve acreditar que a causa do seu sofrimento é justa. Isso lhe parece lógico?
- Sim.
- Já lhe disseram que vivemos muitas existências sobre a Terra?
- Já me falaram sobre reencarnação, mas não tive coragem de saber o que fiz no passado.
- Pois bem! Se as causas do seu sofrimento não se encontram na existência em que se chamou Viviane, teremos que voltar no tempo a fim de encontrarmos o núcleo do seu problema.
- Não! Não quero! Tenho medo! Não quero saber o que fiz àquele homem ou o que fez a mim.
Viviane já tentara a regressão no plano espiritual e não conseguira. Encontrava-se na delicada faixa do sofrimento embrutecido, misto de mágoa e dor. Mais um pouco e resvalaria nos despenhadeiros do ódio. Então eu a desafiei tentando tirá-la dessa perigosa situação.
- Você me parece uma pessoa corajosa! Por que então, no lugar de se fazer de vítima, alimentando a autopiedade, não recorre à sua fibra de mulher e age? A regra da casa é: Estando caído, levanta-te! estando em pé, segue adiante!
Iniciei a magnetização advertindo-a de que seguisse mentalmente a música, sempre no ar durante toda a reunião. Haja o que houver, não a perca, pois ela a levará ao passado, insisti.
Viviane obedeceu e pouco a pouco pareceu despertar em outro cenário, longe daquele catre onde vivera.
- Escravo teimoso! Ele é meu! Sua função é satisfazer-me em minhas necessidades!
- Por que você julga que esse escravo lhe pertence?
- Porque o comprei! Tenho necessidades. Para isso ele serve.
- Como é o seu nome?
- Catarina.
- Em que país você mora?
- Por que você me faz tantas perguntas? Quem pergunta tanto só pode ser um espião!
- Sou seu amigo. Quero apenas entender a sua situação para poder ajudá-la.
- Moro na Inglaterra. Sou de família nobre. Obrigaram-me a casar com aquele velho para aumentar nossas riquezas. Por isso tenho esse escravo que me satisfaz.
- De onde veio o escravo?
- Da Índia. Não quero que ele se envolva com nenhuma outra mulher. Eu já o adverti. Se me desobedecer, ele morre.
- Vamos um pouco para adiante, Catarina. O que aconteceu com o escravo?
- Eu mandei castrá-lo e em seguida matá-lo. Ele teve o atrevimento de me desobedecer.
- E o seu marido?
- Era um fraco! Suicidou-se quando soube do ocorrido.
- E como foi a sua velhice?
- Só! Abandonada. Todos me abandonaram por causa dessa maldita doença (hanseníase).
- Muito bem Catarina! Lembre-se de tudo quanto reviveu e volte para o hoje.
Ainda chorosa, ela comentou:
- Quero esquecer! Quero esquecer! Por favor, faça-me esquecer!
- Agora você já sabe a verdade. A verdade, segundo Jesus, liberta o espírito das amarras da ignorância.
E ainda sob a ação dos acordes de Chopin, meu velho amigo Falcão aplicou-lhe um passe, no que ela foi mansamente adormecendo.
Tudo levava a crer que senhora e escravo haviam se reencontrado. Infelizmente, ambos mais escravos que libertos. O sofrimento continuaria a trabalhar suas almas até que a paz tivesse condições de quebrar-lhes, de vez, as algemas.
Da Obra: Doutrinação - Diálogos e Monólogos
Autor: Luiz Gonzaga Pinheiro
Autor: Luiz Gonzaga Pinheiro
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