12 de jun. de 2013

A Reforma protestante




A burguesia que se formava na Europa do século XIV tinha reinvindicações muito claras para dar continuidade ao florescimento comercial das cidades: liberdade de locomoção pessoal, liberdade de comércio, liberdade de ofício.

Essas reinvindicações chocavam-se frontalmente com as estruturas medievais mantidas pelo Sacro Império Romano Germânico e pela Igreja Católica.

A burguesia que se formava na Europa do século XIV tinha reinvindicações muito claras para dar continuidade ao florescimento comercial das cidades: liberdade de locomoção pessoal, liberdade de comércio, liberdade de ofício. Essas reinvindicações chocavam-se frontalmente com as estruturas medievais mantidas pelo Sacro Império Romano Germânico e pela Igreja Católica. Os camponeses não podiam locomover-se de uma região para outra sem o consentimento da nobreza e do clero, viviam presos à terra em que trabalhavam. Eram exigidos impostos e dízimos e o destino profissional de cada um era determinado pelas classes dominantes.

Havia toda uma estrutura religiosa e ideológica que impedia o desenvolvimento de novas tendências. A Igreja opunha-se ao direito de enriquecimento, aliadas a reis e príncipes que também deveriam render tributos ao Papado e ao Sacro Império. Foi nesse ambiente que despontaram as idéias da resistência nacional contra a Igreja Católica, sugerindo uma reforma de costumes religosos e morais. Do ponto de vista ideológico-religioso, a luta contra o Papado desenvolveu-se num movimento que ficaria conhecido como Reforma.

As primeiras idéias de Reforma já eram conhecidas na Inglaterra do século XIV, época em que os camponeses livres perderam suas terras. Entre os agitadores, geralmente concentrados em Oxford, liderados por John Wycliffe, estudante de teologia que propunha uma volta à economia coletiva e a defesa de uma Igreja pobre e pura. A ação de Wycliffe, transformou-se num grande movimento social que estimulou as insurreições camponesas em 1381. Considerado hereje pelo Sinodo de Lion, entretanto, suas teorias encontraram eco por toda a Europa, notadamente na Bohemia, enclave do Sacro Império Romano Germânico, onde o estudante de teologia John Huss seria intérprete das tendências anticlericais.

As obras de John Huss, principalmente escritas em theco, fizeram dele um herói nacional da Bohemia, onde o patriotismo theco se fortaleceu com suas doutrinas reformadoras baseadas em Wycliffe. Foi excomungado pelo Papa Alexandre V e queimado vivo por sentença do Concílio de Constança, apesar de um salvo conduto que lhe havia dado o imperador Sigsmundo. Teve suas cinzas lançadas no Rio Reno. Sua vida e seu martírio foram considerados decisivos para o posterior desenvolvimento do luteranismo na Alemanha, onde no início do século XVI o espírito religioso da sua população era muito mais arraigado do que no resto da Europa.

Martinho Lutero

Em vista disso, o Papa Leão X escolheu a Alemanha para vender as indulgências, entretanto, não tardaria, o movimento de revolta em que todas as insatisfações, tanto da nobreza quanto do campesinato, desembocariam num ataque frontal à Igreja. O intérprete da oposição às autoridades eclesiásticas foi um monge agostiniano, pouco conhecido, que em 31 de outubro de 1517, afixou na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg seus pensamentos na forma de 95 Teses, rebelando-se contra a prática de indulgências, embora não negasse diretamente ao Papa o direito de concedê-las.

As teses de Martinho Lutero eram profundamente acadêmicas e não tratavam de todos os problemas religiosos da época, além disso, não representavam tudo aquilo que o luteranismo desenvolveria no futuro. O reformador já havia encontrado um novo caminho teológico, fundamentado no estudo da Epístola aos Romanos, do apóstolo Paulo. O monge procurava compreender o significado do Evangelho e da salvação pela fé, em oposição à doutrina corrente, que afirmava ser o pecado vencido pelas obras. Para Lutero, a salvação significava muito mais: era um dom gratuito que emanava do poder de Deus e transmitia paz à alma e confiança plena.

Os Batistas

As teses luteranas foram condenadas pelo Papa Leão X, em 1520, numa bula que Lutero queimou em praça pública, e conseqüentemente, foi excomungado. O Imperador Carlos V tentou livrar-se do agitador, porém, muitos dos príncipes igualmente hostis à Igreja opuseram-se a qualquer punição. Para garantir-se de represálias refugiou-se no castelo de um partidário, iniciando a elaboração de boa parte das doutrinas para uma nova Igreja, preocupando-se em adaptar o catolicismo às condições econômicas da época. O latim foi substituido pelo alemão nos ofícios religiosos; o Papa conservaria somente as funções de Bispo de Roma; os padres casariam e seriam abolidos os sacramentos com exceção do Batismo e da Eucaristia.

O Luteranismo abandonou a concepção católica de superioridade da Igreja sobre o Estado. As práticas e as concepções protestantes foram oficialmente expostas em 1530, época em que foi redigida a Confissão de Augsburgo, entretanto, o espírito do protestantismo Luterano estava muito ligado às violentas revoltas sociais da Alemanha. De maior repercussão foi a rebelião camponesa liderada por Thomas Münzer (1489-1525), congregando as camadas mais pobres numa seita religiosa denominada Anabatistas, que insurgiram-se contra os privilégios dos aristocratas e do clero, exigindo uma imediata reforma agrária.

De inspiração religiosa, a seita dos anabatistas, além das reinvindicações sociais, negavam a necessidade de padres e afirmavam seus direitos de seguir os ditames de sua própria consciência. Perseguidos pela nobreza protestante da Alemanha de Lutero, alguns foram decapitados (inclusive Münzer) e outros dispersaram-se, espalhando-se ao longo do Reno e dos Países Baixos. Os sectários desse movimento, liderados por John Smith (exilado na Holanda), denominaram-se Batistas, difundindo a seita na Inglaterra. Em 1620, os imigrantes do Mayflower levaram o movimento Batista para a América do Norte.

O movimento protestante, com características particulares, ganhou terreno independentemente do Sacro Império também na Suiça, onde várias cidades haviam se transformado em centros comercias governados por ricos burgueses. As universidades suiças estavam impregnadas pelo humanismo e desejo de libertação do domínio eclesiástico estrangeiro. Desconfiavam também do poder das indulgências, procurando desenvolver uma vida religiosa mais diretamente fundada nos ensinamentos evangélicos. O humanista Ulrich Zwinglio, filho de um rico magistrado, e bem mais radical do que Martinho Lutero, liderou em Zurique uma rápida reforma que começou a ser efetivada com a proclamação de que não havia outra autoridade para os cristãos além da Bíblia.

A Reforma ganha força

Com o apoio das autoridades civis, Zwinglio foi eliminando das Igrejas todos os ornamentos, as relíquias e os órgãos; foram abolidos também a missa e o celibato do clero. A justificação de todas essas mudanças é encontrada na principal obra teológica de Zwinglio Comentário sobre a falsa e a verdadeira religião. Em 1528, quase todos os cantões do norte suiço haviam aderido à causa, porém, a mesma facilidade não seria encontrada nos cantões florestais, menos desenvolvidos economicamente e mais conservadores, gerando uma guerra civil que durou dois anos. Zwinglio foi morto durante a batalha de Kappel e no fim do conflito, pela paz de Kappel, em 1531, ficou decidido que cada governo cantonal escolheria sua religião.

Enquanto isso, na França, há décadas a autoridade do Papa vinha sendo contestada, na tentativa de abolir o direito do clero de fazer nomeações e cobrar tributos. Nessas condições não foi difícil a difusão do protestantismo, sendo que, em 1534, os “huguenotes” (nome dado aos protestantes) tiveram liberdade de afixar cartazes contra missas e mutilar igrejas em Paris. A condenação à morte dos huguenotes de todas as camadas sociais, inclusive da nobreza, por Henrique II, deu início a um período de violenta repressão levando muitos dos huguenotes a refugiarem-se em outros países. A perseguição culminou com a dramática noite de São Bartolomeu (24 de agosto de 1572), quando cerca de 30.000 protestantes foram massacrados por ordem de Catarina de Médicis.

O Calvinismo

Foi em Genebra que o luterano João Calvino (considerado hereje na França) se asilou, iniciando um longo trabalho de proselitismo. Descedente de nobres, destinado à carreira eclesiástica, abandonou a fé romana por volta de 1534, passando a defender ardorosamente os ideais da Reforma Protestante. Percebendo que os seguidores de Lutero ameaçavam o sistema econômico vigente na França e na Suiça francesa, o soberano francês não tardou a acusá-los de subversivos. Inconformados, Calvino dirigiu-se ao rei em carta aberta, defendendo os companheiros. Esta carta acompanha em forma de prefácio, a primeira edição de sua obra A Instituição Cristã, considerada como a carta da Religião Reformadora.

Os países da língua francesa foram logo atraídos e encontraram em Calvino o homem capaz de orientar corretamente a renovação religiosa. Em 1541, Calvino fundou em Genebra uma Igreja regida pelos princípios do Evangelho, que se tornou um castelo de segurança para os protestantes perseguidos e um centro de difusão da Reforma Evangélica, operando uma transformação nas idéias e nos costumes, que fizeram de Genebra a cidade do protestantismo. Ao contrário de Lutero, que ainda defendia os interesses da pequena nobreza, Calvino manteve a origem democrática. A Igreja seria formada por “todos os eleitos de Deus”, governada por pastores escolhidos pela própria congregação.

Nessa época Calvino exercia o cargo de professor de Teologia e de pastor entre os refugiados franceses protestantes. Sua ação, tanto em Genebra quanto junto aos huguenotes franceses, fez da Suiça o baluarte de um novo tipo de protestantismo: o Calvinismo, que expandiu-se para a França, Holanda, Escócia, Polônia, Bohemia e Hungria. Na Inglaterra o Calvinismo produziu o puritanismo e a maior parte das seitas não conformistas. Calvino, o segundo “patriarca” da Reforma, morreu em 1564. Seu enterro se deu deforma anônima: ninguém sabe onde está enterrado.

A Igreja Anglicana

Na Inglaterra, a Reforma protestante começou movida mais por razões políticas do que doutrinárias: a ruptura com Roma, provocada pelo soberano Henrique VIII, que não admitia a posição de mando assumida pelo Papa em relação a outros países europeus. Um problema matrimonial do rei precipitou a Reforma: o processo de divórcio de sua esposa, Catarina de Aragão era continuamente adiado pelo Papa Clemente III. Assim, o soberano resolveu colocar-se ele próprio à frente da Igreja inglesa. Mandou suspender todos os pagamentos a Roma e fundou a Igreja Anglicana, uma unidade nacional independente, submetida a autoridade real.

A Reforma acabou se espalhando no mundo inteiro, em virtude da grande liberdade de consciência oferecida aos fiéis (ao menos em princípio) e à ausência de poder centralizado, dividindo-se em inúmeras denominações, segundo as ênfases adotadas em cada lugar. Dessa forma, encontramos os Batistas, Quakers, Pentecostalistas, Adventistas, Presbiterianos, Metodistas, Igreja Morávia, Exécito da salvação etc. Todos estão relacionados com as origens da Reforma, embora suas histórias particulares tenham origens diferentes. Entretanto, existem algumas linhas doutrinárias que estão presentes na maior parte das Igrejas Protestantes.

Analisando num sentido mais lato, a palavra Reforma deve aplicar-se a todos os esforços feitos, na Igreja e fora dela, para renovar a vida cristã e a organização do clero. Primitivamente preparada pelas heresias de Wycliffe e John Huss, estruturadas por Lutero, Zwinglio e Calvino, subtraiu uma parte da cristandade européia à obediência de Roma dando origem à Igreja protestante. O abalo por ela provocado trouxe uma abertura para uma nova reflexão, marcando historicamente o pensamento cristão, favorecida pelos progressos do Renascimento e pela obra do Humanismo.

A Igreja Protestante, não tem um magistério teológico. Todos os cristãos batizados são considerados membros da Igreja e podem participar do ministério sacerdotal. A Teologia protestante acredita que Deus atua através de sua Santa Palavra, remontando-se ao testemunho da Bíblia. Assim, a palavra de Deus é viva e atuante na Igreja e no mundo. Os fiéis tem acesso direto às Escrituras e buscam em sua mensagem a orientação do Criador para suas vidas. A única regra de fé e de vida universalmente aceita é a Bíblia.

Artigo publicado na edição 22 da Revista Cristã de Espiritismo.

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