23 de jul. de 2013

Manifestações Físicas Espontâneas


O padeiro de Dieppe

Os fenômenos pelos quais podem os Espíritos manifestar sua presença são de duas naturezas, que se designam como manifestações físicas e manifestações inteligentes.

Pelas primeiras, os Espíritos atestam sua ação sobre a matéria; pelas segundas, revelam um pensamento mais ou menos elevado, conforme seu grau de depuração.

Umas e outras podem ser espontâneas ou provocadas. São provocadas quando solicitadas pelo desejo e obtidas com auxílio de pessoas com aptidão especial, isto é, dos médiuns. São espontâneas quando ocorrem naturalmente, sem nenhuma participação da vontade e, muitas vezes, na ausência de qualquer conhecimento e mesmo crença espírita.

A esta ordem pertencem certos fenômenos que se não podem explicar pelas causas físicas ordinárias. Mas não nos devemos apressar, como já temos dito, em atribuir aos Espíritos tudo quanto é insólito e não se compreende. Nunca seria demais insistir sobre este ponto, a fim de por em guarda contra os efeitos da imaginação e muitas vezes, do medo.

Quando se produz um fenômeno extraordinário – repetimo-lo – o primeiro pensamento deve ser que tenha uma causa natural, por ser a mais freqüente e mais provável. Tais são, sobretudo, os ruídos e mesmo certos movimentos de objetos.

Neste caso, o que é preciso fazer é buscar a causa, e é provável que se a encontre muito simples e muito vulgar. Dizemos ainda, o verdadeiro é, por assim dizer, o único sinal real da intervenção dos Espíritos é o caráter intencional e inteligente do efeito produzido, quando esteja perfeitamente demonstrada a possibilidade de uma intervenção humana.

Nessas condições, raciocinando conforme o axioma que todo efeito tem uma causa, e que todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente, toma-se evidente que se a causa não estiver nos agentes ordinários dos efeitos materiais estará fora desses mesmos agentes; que se a inteligência que se manifesta não for humana, deve estar fora da Humanidade.

Então há inteligências extra-humanas?

Parece provável. Se certas coisas não são e não podem ser obra dos homens, devem ser obra de alguém. Ora, se esse alguém não for um homem, parece que, necessariamente, deva estar fora da humanidade; e se não se o vê, deve ser invisível. É um raciocínio tão peremptório e tão fácil de compreender quanto o do Sr. de La Palisse.

Então, quais são essas inteligências? Anjos ou demônios? E como inteligências invisíveis podem agir sobre a matéria visível? – É o que sabem perfeitamente aqueles que aprofundaram a ciência espírita, que não é aprendida num piscar de olhos, e que não se pode resumir em poucas linhas.

Aos que fazem tal pergunta apresentaremos apenas isto: “Como o vosso pensamento, que é imaterial, move a vontade o vosso corpo que é material?” Pensamos que não vos embaraceis na solução deste problema, e que, se rejeitardes a explicação de fenômeno tão vulgar, dada pelo Espiritismo, é que tendes outra mais lógica a opor. Mas até agora não a conhecemos.

Vamos aos fatos que motivaram estas observações. Vários jornais, entre outros a “Opinion Nationale”, de 14 de fevereiro de 1860, e o “Journal de Rouen”, de 12 do mesmo mês, relatam o seguinte fato, conforme a “Vigie de Dieppe”. Eis o artigo do “Journal de Rouen”:

“A “Vigie de Dieppe” estampa a seguinte carta, de seu correspondente em Grandes-Ventes. Em nosso número de sexta-feira já assinalamos uma parte dos fatos hoje relatados neste jornal. Mas a emoção excitada na comuna por esses acontecimentos extraordinários nos leva a dar novos detalhes contidos nesta correspondência.

“Hoje rimos das histórias mais ou menos fantásticas do passado; e, em nossos dias, os pretensos feiticeiros não desfrutam de grande veneração. Não são mais acreditados em Grandes Ventes que alhures.

Contudo, nossos velhos preconceitos populares ainda tem alguns adeptos entre os bons moradores da vila; e a cena verdadeiramente extraordinária, que acabamos de testemunhar, vem a propósito para lhes fortificar a crença supersticiosa.

“Ontem pela manhã o Sr. Goubert, um dos padeiros do nosso burgo, seu pai, que lhe serve de operário, e um jovem aprendiz, de dezesseis a dezessete anos, iam começar o trabalho rotineiro quando perceberam que vários objetos saiam espontaneamente de seu lugar para serem lançados na masseira.

Assim tiveram que desembaraçar, sucessivamente, a farinha que trabalhavam, de vários pedaços de carvão, de dois pesos de tamanhos diversos, de um cachimbo e de uma vela.

Mau grado sua extrema surpresa, continuaram a tarefa e tinham chegado a virar o pão quando, de repente, um bocado de massa de dois quilos, escapando das mãos do jovem ajudante, foi lançado a alguns metros de distância.

Isto foi o prelúdio e como que o sinal da mais estranha desordem. Eram cerca de nove horas e, até meio dia, foi positivamente impossível ficar ao forno e na caixa de depósito.

Tudo foi virado, derrubado, quebrado; os pães atirados à sala com as pranchas que os sustentavam, em meio a restos de toda sorte, ficaram completamente inutilizadas; mais de trinta garrafas de vinho foram quebradas e, enquanto o cabrestante da cisterna rodava sozinho com extrema velocidade, as brasas, as pás, os cavaletes e os pesos saltavam no ar e executavam as mais diabólicas evoluções.

“Ao meio dia o tumulto cessou pouco a pouco e, horas depois, quando tudo entrou em ordem e as coisas foram arrumadas, o chefe da casa pode retomar os trabalhos habituais.

“Este acontecimento estranho causou ao Sr. Goubert uma perda de pelo menos cem francos.”

A este relato a “Opinion Nationale” adiciona as seguintes reflexões:

“Reproduzindo esta história singular, seria uma injúria aos leitores preveni-los contra os fatos sobrenaturais que ela relata. Sabemos perfeitamente que não é uma história do nosso tempo e que poderá escandalizar alguns dos doutos leitores de “Vigie”; mas, por mais inverossímil que pareça, não é menos verdadeira e, se necessário, centenas de pessoas poderão certificar sua exatidão.”

Confessamos não compreender bem as reflexões do jornalista, que parece contradizer-se. Por um lado, diz aos leitores que se previnam contra os fatos sobrenaturais e termina por dizer que, “por mais inverossímil que pareça não é menos verdadeira” e que “centenas de pessoas poderão certificar sua exatidão”.

Uma de duas: ou é verdadeira, ou é falsa. Se falsa, tudo está dito; mas se verdadeira, como atesta a “Opinion Nationale”, o fato revela uma coisa muito séria para merecer ser tratada um tanto levianamente.

Coloquemos de lado a questão dos Espíritos e vejamos apenas um fenômeno físico. Não é bastante extraordinária para merecer a atenção de observadores sérios? Então que os sábios se ponham à obra e, escavando os arquivos da ciência, dela nos dêem uma explicação racional, irrefutável, com a razão de todas as circunstâncias.

Se não o podem, força é convir que não conhecem todos os segredos da natureza. E se só a ciência espírita dá a solução, será preciso optar entre a teoria que explica e a que nada explica.

Quando fatos desta natureza são relatados, nosso primeiro cuidado, antes mesmo de inquirir da realidade, é o de examinar se são ou não possíveis, conforme o que conhecemos sobre a teoria das manifestações espíritas.

Citamos alguns, demonstrando-lhes a absoluta impossibilidade, notadamente a história contada no número de fevereiro de 1859, segundo o “Journal des Debats”, sob o título de “Meu Amigo Herman”, a qual certos pontos da Doutrina Espírita poderiam ter dado uma aparência de probabilidade.

Sob este ponto de vista, os fenômenos ocorridos com o padeiro das cercanias de Dieppe nada tem de mais extraordinário que muitos outros, perfeitamente verificados e cuja solução completa e dada pela ciência espírita.

Assim, aos nossos olhos, se o fato não fosse verdadeiro, seria possível. Pedimos a um dos nossos correspondentes de Dieppe, no qual temos plena confiança, que se informasse da realidade. Eis o que nos responde:

“Hoje vos posso dar todas as informações que desejais, pois me informei em boa fonte. O relato de “Vigie” é a exata verdade. Inútil relatar todos os fatos. Parece que alguns homens de ciência vieram de longe para se darem conta dos fatos extraordinários, que não poderão explicar se não tiverem noção da ciência espírita.

Quanto às pessoas de nossos campos, estão interditas. Uns dizem que são feiticeiros; outros que é porque o cemitério mudou de lugar e que sobre ele fizeram construções; e os mais espertos, que passam entre os seus por tudo saber, principalmente se forem militares, acabam dizendo: Por Deus! Não sei como isto acontece!

Inútil dizer que não deixam de atribuir larga participação do diabo. Para dar a compreender todos esses fenômenos à gente do povo, seria necessário tentar iniciá-los na verdadeira ciência espírita.

Seria o único meio de erradicar entre eles a crença nos feiticeiros e em todas as idéias supersticiosas, que ainda por muito tempo constituem o maior obstáculo a sua moralização”.

Terminaremos com uma ultima observação.

Ouvimos de algumas pessoas que não queriam ocupar-se de Espiritismo, com receio de atrair os Espíritos e provocar manifestações do gênero das que acabamos de relatar.

Não conhecemos o padeiro de Goubert, mas cremos poder afirmar que nem ele, nem seu pai e o seu ajudante jamais se ocuparam com os Espíritos. E mesmo para notar que as manifestações espontâneas se produzem de preferência entre pessoas que nenhuma idéia fazem do Espiritismo, prova evidente que os Espíritos vêm sem ser chamados.

Mais ainda: o conhecimento “esclarecido” desta ciência é o melhor meio de nos preservarmos dos Espíritos importunos, porque indica a “única” maneira racional de os afastar.

Nosso correspondente está perfeitamente certo ao dizer que o Espiritismo é um remédio contra a superstição.

Com efeito, não é superstição crer que esses estranhos fenômenos sejam devidos à mudança do cemitério?

A superstição não consiste da crença num fato, quando verificado, mas na causa irracional atribuída ao fato.

Está, sobretudo, na crença em pretensos meios de adivinhação, no efeito de certas práticas, na virtude dos talismãs, nos dias e horas cabalísticos, etc., coisas estas cujo absurdo e ridículo o Espiritismo demonstra.

Revista Espírita – 1860

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