Este espaço foi criado com o objetivo de falar um pouco a respeito do Espiritismo, trazer alguns esclarecimentos a respeito desta doutrina tão consoladora.
11 de jul. de 2013
Obsediados e Subjugados
Muito se tem falado dos perigos do Espiritismo.
É de notar-se, entretanto, que os que mais gritam são exatamente os que quase só o conhecem por ouvir dizer.
Já refutamos os principais argumentos que lhe são opostos; a eles, pois, não voltaremos; acrescentaremos apenas que se quiséssemos proscrever da sociedade tudo quanto pode oferecer perigo e dar margem a abusos, não saberíamos muito o que haveria de restar, mesmo daquelas coisas de primeira necessidade, a começar pelo fogo, causa de tantas desgraças; depois as estradas de ferro, etc. etc.
Se se admitir que as vantagens compensam os inconvenientes, o mesmo deve acontecer com tudo o mais: a experiência indica pari passu as precauções que devem ser tomadas para nos garantirmos contra os inevitáveis perigos das coisas.
Na verdade o Espiritismo apresenta um perigo real, mas não é aquele que se supõe; é preciso ser-se iniciado aos princípios da ciência para bem compreendê-lo.
Não nos dirigimos àqueles que lhe são alheios; é aos próprios adeptos, àqueles que o praticam, pois que para estes é que há perigo.
Importa que o conheçam, a fim de se porem em guarda: Sabe-se que um perigo previsto é um perigo meio evitado.
Diremos mais: para quem quer que esteja bem informado da ciência, tal perigo não existe; existe apenas para aqueles que têm a presunção de saber, isto é, como em todas as coisas, para aqueles que não possuem a necessária experiência.
Um desejo muito natural em todos aqueles que começam a se ocupar do Espiritismo é ser médium, principalmente psicógrafo. É realmente o gênero que tem mais atração, dada a facilidade das comunicações e por ser o que melhor se desenvolve com o exercício.
Compreende-se a satisfação que deve experimentar quem, pela primeira vez, vê a própria mão formar letras, depois palavras, depois frases em respostas aos seus pensamentos.
Essas respostas que traça maquinalmente, sem saber o que faz, o mais das vezes estão fora de qualquer idéia pessoal, não lhe podem deixar nenhuma dúvida quanta à intervenção de uma inteligência oculta.
Assim, grande é a sua alegria de poder entreter-se com os seres de além-túmulo, com esses seres misteriosos e invisíveis, que povoam os espaços: parentes e amigos já não mais se encontram ausentes: se não os vê com os olhos nem por isso deixam de ali estar; conversam com ele, e ele os vê por pensamento; podem saber se são felizes, conhecer aquilo que fazem, o que desejam e trocar amabilidades.
Compreende que entre eles a separação não é eterna e faz votos para apressar o instante em que poderiam reunir-se num mundo melhor. E não é tudo. Quanto não pode saber através dos Espíritos que com ele se comunicam? Não irão eles levantar o véu de todas as coisas?
Agora já não há mais mistérios: não tem mais do que interrogar para tudo ficar sabendo.
Já vê à sua frente a antiguidade sacudir a poeira do tempo, escavar as minas, interpretar as escrituras simbólicas e fazer reviver a seus olhos os séculos passados.
Outro, mais prosaico, e pouco preocupado em sondar o infinito onde se perde o pensamento, cuida apenas em explorar os Espíritos em benefício de sua fortuna.
Os Espíritos que devem ver tudo e tudo saber não lhe podem recusar a descoberta de algum tesouro escondido ou algum segredo maravilhoso.
Quem quer que se dê ao trabalho de estudar a ciência espírita jamais deixar-se-á seduzir por esses belos sonhos.
Sabe de que se deve abster a respeito do poder dos Espíritos, de sua natureza e do objetivo das relações que com os mesmos o homem pode estabelecer.
Recordemos, para começar, e em poucas palavras, os pontos principais, que nunca devem ser perdidos de vista, porque são uma espécie de chave da abóbada do edifício.
1º – Os Espíritos não são iguais nem em poder, nem em conhecimento, nem em sabedoria.
Como não passam de almas humanas desembaraçadas de seu invólucro corporal, ainda apresentam uma variedade maior que a que encontramos entre os homens na Terra, por isso que vêm de todos os mundos, e porque entre os mundos a Terra nem é o mais atrasado, nem o mais adiantado.
Há, pois, Espíritos muito superiores, como os muito inferiores; muito bons e muito maus, muito sábios e muito ignorantes, há os levianos, malévolos, mentirosos, astutos, hipócritas, facetos, espirituosos, trocistas, etc.
2º – Estamos incessantemente cercados por uma nuvem de Espíritos que, nem por serem invisíveis aos nossos olhos materiais, deixam de estar no espaço, em redor de nós, ao nosso lado, espiando os nossos atos, lendo os nossos pensamentos, uns para nos fazer bem, outros para nos fazer mal, conforme eles próprios sejam bons ou maus.
3º – Pela inferioridade física e moral de nosso globo na hierarquia dos mundos, os Espíritos inferiores aqui são mais numerosos que os superiores.
4º – Entre os Espíritos que nos cercam há os que se ligam a nós, que agem mais particularmente sobre o nosso pensamento, aconselhando-nos, e cujo impulso seguimos sem nos apercebermos; felizes se escutarmos a voz dos bons.
5º – Ligam-se os Espíritos inferiores àqueles que os escutam, Junto aos quais têm acesso e aos quais se agarram.
Se conseguirem estabelecer domínio sobre alguém, identificam-se com o seu próprio Espírito, fascinam-no, obsidiam-no, subjugam-no e o conduzem como se fosse uma verdadeira criança.
6º – A obsessão jamais se dá senão por Espíritos inferiores. Os bons Espíritos não produzem nenhum constrangimento: aconselham, combatem a influência dos maus e afastam-se desde que não sejam escutados.
7º – O grau de constrangimento e a natureza dos efeitos que produzem marcam a diferença entre a obsessão, a subjugação e a fascinação.
A obsessão é a ação quase que permanente de um Espírito estranho, que leva a pessoa a ser solicitada por uma necessidade incessante de agir desta ou daquela maneira e de fazer isto ou aquilo.
A estreita subjugação é uma ligação moral que paralisa a vontade de quem a sofre, impelindo a pessoa as mais desarrazoadas ações e, por vezes, às mais contrárias ao seu próprio interesse.
A fascinação é uma espécie de ilusão produzida ora pela ação direta de um Espírito estranho, ora por seus raciocínios capciosos; e essa ilusão produz um logro sobre as coisas morais, falseia o julgamento e leva a tomar-se o mal pelo bem.
8º – Por sua vontade pode sempre o homem sacudir o jugo dos Espíritos imperfeitos, porque em virtude de seu livre arbítrio ele tem escolha entre o bem e o mal.
Se aquela ligação chegou a ponto de paralisar a vontade e se a fascinação é tão grande que oblitera a razão, a vontade de uma terceira pessoa pode substituí-la.
Antigamente dava-se o nome de “possessão” ao império exercido pelos maus Espíritos, quando sua influência ia até a aberração das faculdades.
Mas a ignorância e os preconceitos muitas vezes tomaram como possessão aquilo que não passava de um estado patológico.
Para nós a possessão seria sinônimo de subjugação.
Não adotamos este termo por dois motivos: primeiro porque implica a crença em seres criados para o mal e a ele votados perpetuamente, quando apenas existem seres mais ou menos imperfeitos e todos podem melhorar; segundo porque ele implica igualmente a idéia de tomada de posse do corpo pelo Espírito estranho, uma espécie de coabitação: ao passo que existe apenas uma ligação.
O vocábulo “subjugação” dá uma perfeita idéia. Assim, para nós não há “possessos”, no sentido vulgar da palavra; há simplesmente “obsidiados, subjugados e fascinados”.
Por idêntico motivo não usamos o vocábulo demônio na acepção de Espírito imperfeito, de vez que freqüentemente esses Espíritos não valem mais que os chamados demônios: é apenas por causa da especialidade e da perpetuidade que estão ligadas a este vocábulo.
Assim, quando dizemos que não há demônios, não queremos dizer que apenas existem bons Espíritos; longe disto: sabemos muito bem que os há maus e muito maus, que nos solicitam para o mal, armam-nos ciladas e isto nada tem de admirável, porque eles foram homens.
Queremos dizer que não formam uma classe à parte na ordem da criação, e que Deus deixa a todas as criaturas o poder de melhorar-se.
Bem assentado isto, voltemos aos médiuns.
Em alguns destes o progresso é lento, mesmo muito lento; por vezes submetem-se a uma rude prova, a sua paciência.
Noutros é rápido: e em pouco tempo chega o médium a escrever com tanta facilidade e, às vezes, com mais presteza do que faria em condições ordinárias.
É então que pode tomar-se de entusiasmo – e aí é que está o perigo, porque o entusiasmo enfraquece e com os Espíritos é necessário ser-se forte.
Parece um paradoxo dizer que o entusiasmo enfraquece. Entretanto nada mais certo.
Dir-se-á que o entusiasmo marcha com uma convicção e uma confiança que lhe permitem vencer todos os obstáculos, com o que haverá mais força.
Sem dúvida: mas nós nos entusiasmamos pelo falso tanto quanto pelo verdadeiro. Deixai que abundem as mais absurdas idéias do entusiasta e dele fareis tudo quanta quiserdes.
O objeto de seu entusiasmo é, pois, o seu lado fraco, pelo qual podereis sempre dominá-lo.
O homem frio e impassível, ao contrário, vê as coisas sem ilusões: combina, pesa, examina maduramente e não se deixa seduzir por subterfúgios.
É isto o que lhe dá força.
Os Espíritos malévolos sabem-no tão bem ou melhor do que nós; sabem também empregar isto em seu proveito, para subjugar os que desejam ter sob sua dependência; e a faculdade de escrever como médium lhes serve maravilhosamente, porque é poderoso meio de captar a confiança e assim não a desprezam, se não soubermos pôr-nos em guarda.
Felizmente, como veremos mais tarde, o mal traz em si o remédio.
Seja por entusiasmo e por fascínio dos Espíritos, ou seja por amor próprio, em geral o médium psicógrafo é levado a acreditar que os Espíritos que se lhe comunicam são superiores; e isto é tanto mais quanto mais os Espíritos, vendo sua propensão, não deixam de ornar-se com títulos pomposos, conforme a necessidade e, segundo as circunstâncias, tomam nomes de santos, de sábios, de anjos, da própria Virgem Maria e fazem o seu papel como atores, vestindo ridiculamente a roupagem das pessoas que representam.
Tirai-lhes a máscara e se tornam o que eram: ridículos. É isto o que se deve saber fazer, tanto com os Espíritos, quanto com os homens.
Da crença cega e irrefletida na superioridade dos Espíritos que se comunicam à confiança em suas palavras há apenas um passo; assim também entre os homens.
Se chegarem a inspirar essa confiança, alimentam-na por meio de sofismas e dos mais capciosos raciocínios, ante os quais freqüentemente a gente baixa a cabeça.
Os Espíritos grosseiros são menos perigosos: reconhecemo-los imediatamente e não inspiram mais que repugnância.
Os mais temíveis, em seu mundo, como no nosso, são os Espíritos hipócritas: falam sempre com doçura, lisonjeando as inclinações; são meigos, manhosos, pródigos em expressões carinhosas e em protestos de dedicação.
É preciso ser realmente forte para resistir a semelhantes seduções.
Perguntareis onde está o perigo se os Espíritos são impalpáveis? O perigo está nos conselhos perniciosos que dão, sob a aparência de benevolência; nos movimentos ridículos, intempestivos ou funestos que nos levam a empreender.
Já vimos alguns que fizeram certas pessoas andar seca e meca, em busca de coisas fantásticas, com o risco de comprometer a saúde, a fortuna e a própria vida. Vimo-los ditar, com a aparência de gravidade, as coisas mais burlescas e as máximas mais esquisitas.
Desde que convém dar o exemplo ao lado da teoria, vamos relatar a história de uma pessoa nossa conhecida, que se encontrou sob o domínio de uma fascinação semelhante.
O Sr. F., moço instruído, de esmerada educação, de caráter suave e benevolente, mas um pouco fraco e sem resolução pronunciada, tomou-se médium psicógrafo hábil com muita rapidez.
Obsediado pelo Espírito que dele se apoderou e lhe não dava repouso escrevia incessantemente.
Desde que uma pena ou um lápis lhe caía na mão, tomava-o num movimento convulsivo. Na falta de material, simulava escrever com o dedo, em qualquer parte onde se encontrasse: na rua, nas paredes, nas portas, etc.
Entre outras coisas, esta lhe era ditada:
“o homem é composto de três coisas: o homem, o mau Espírito e o bom Espírito.
Todos vós tendes vosso mau Espírito, que está ligado ao corpo por laços materiais.
Para expulsar o mau Espírito é necessário quebrar esses laços, para o que é preciso enfraquecer o corpo.
Quando este se acha suficientemente enfraquecido, o laço se parte e o mau Espírito vai embora, deixando apenas o bom.”
Em conseqüência desta bela teoria fizeram-no jejuar durante cinco dias consecutivos e velar a noite.
Quando estava extenuado, eles lhe disseram: “Agora a coisa está feita e o laço partido. Teu mau Espírito se foi: ficamos apenas nós, em quem deves crer sem reservas.”
E ele, persuadido de que seu mau Espírito havia fugido, teve uma fé cega em todas as suas palavras. A subjugação havia chegado a um ponto que se lhe tivessem dito para atirar-se a água ou partir para os antípodas ele o teria feito.
Quando queriam obrigá-lo a fazer qualquer coisa que lhe repugnava, era arrastado por uma força invisível. Damos um exemplo abaixo de sua moral, por onde o resto poderá ser julgado.
“Para ter melhores comunicações é necessário primeiro orar e jejuar durante vários dias, uns mais, outros menos. O jejum enfraquece os laços que existem entre o “Ego” e um demônio particular ligado a cada “ser” humano.
Este demônio está ligado a cada pessoa pelo invólucro que une corpo e alma. Este invólucro se enfraquece pela falta de alimento e permite que os Espíritos arranquem aquele demônio.
Então Jesus desce ao coração da pessoa possessa, em lugar do mau Espírito. Este estado de possuir Jesus em si é o único meio de atingir toda verdade e muitas outras coisas.
“Enquanto a criatura não conseguir substituir o demônio por Jesus não possui a verdade. Para tê-la é necessário crer. Deus não dá a verdade aos que duvidam: seria fazer algo de inútil e Deus nada faz em vão.
Como a maioria dos médiuns novos duvidam do que dizem e escrevem, os bons Espíritos, pesar seu, “por ordem formal de Deus, são obrigados a mentir e não têm outro jeito senão mentir até que o médium fique convencido”; mas assim que ele acredita numa dessas mentiras os Espíritos elevados se apressam em lhe desvelar os segredos do céu: a verdade inteira dissipa num instante essa nuvem de erros com que tinham sido obrigados a envolver o seu protegido.
“Chegando a este ponto, nada mais tem o médium a temer. Os bons Espíritos jamais o deixarão. Contudo, não deve crer que tenha sempre a verdade e só a verdade.
Seja para o experimentar, seja para o punir de faltas passadas, seja ainda para o castigar por perguntas egoísticas ou curiosas, os bons Espíritos lhe “inflingem convicções físicas e morais”, vindo atormentá-lo por ordem de Deus.
Por vezes esses Espíritos elevados se lastimam da triste missão que desempenham: um pai persegue o filho durante semanas inteiras, um amigo ao seu amigo, tudo para a grande felicidade do médium.
Então os Espíritos “nobres” dizem tolices, blasfêmias e até torpezas. É necessário que o médium resista e diga: Vos me tentais; sei que estou entre mãos caridosas de Espíritos ternos e afetuosos; que os maus já não podem aproximar-se de mim. Boas almas que me atormentais, não me impedireis de crer naquilo que me dissestes e que me haveis de dizer.
“Os católicos expelem mais facilmente o demônio (este rapaz era protestante) porque este afastou-se um instante no dia do batismo. Os católicos são julgados pelo Cristo e os outros por Deus.
E melhor ser julgado pelo Cristo. Os protestantes não tem razão de não admitir isto: assim é necessário que te tornes católico quanto antes. E enquanto não fizerdes isto, vai tomar água benta: será o teu batismo.”
Mais tarde, curado da obsessão de que era vítima, por meios que relataremos, nós lhe havíamos pedido que nos escrevesse esta história, fornecendo-nos também o texto dos preceitos que lhe haviam sido ditados.
Transcrevendo-os, inscreveu sobre a cópia que nos enviou: “Pergunto-me a mim mesmo se não ofendo a Deus e aos bons Espíritos transcrevendo tolices semelhantes.”
A isto nós lhe respondemos: Não. O senhor não ofende a Deus; longe disso, desde que agora reconhece a cilada em que caiu.
Se lhe pedi uma cópia dessas máximas perversas foi para marcá-las como elas merecem, desmascarar os Espíritos hipócritas e por em guarda quem quer que receba coisa semelhante.
Um dia fá-lo-ão escrever: “Morrerás esta noite.” E ele responderá: “Sinto-me muito aborrecido neste mundo; morramos se assim deve ser; nada mais peço; tudo quanto desejo e não sofrer.”
A noite adormece, crendo firmemente não mais despertar na Terra. No dia seguinte ficará muito surpreendido e mesmo desapontado por achar-se em seu leito habitual.
Durante o dia escreve: “Agora que passaste pela prova da morte, que acreditaste firmemente que ias morrer, és para nós como um morto: podemos dizer-te toda a verdade; saberás tudo.
Nada haverá oculto para nós; nada mais haverá oculto para ti. Tu és uma reencarnação de Shakespeare. Tua bíblia não é Shakespeare?
No dia seguinte escreve: “Tu és Satã”. – “Isto também é demais, objeta o Sr. F. – “Não fizeste … não devoraste o “Paraíso perdido”? Aprendeste a “Fille du diable” de Beranger. Sabias que Satã havia de converter-se. Não o pensavas sempre? Não o disseste? Não o escreveste?
Para converter-se ele se reencarna. – Concordo que eu tenha sido um anjo rebelde qualquer; mas o rei dos anjos…! – Sim, tu eras o anjo da intrepidez. Não és mau; tens um coração orgulhoso; e este orgulho que e necessário abater.
És o anjo do orgulho, que os homens chamam Satã. Que importa o nome? Foste o mau gênio da Terra. Eis-te humilhado … Os homens vão tomar o seu impulso …
Verás maravilhas. Enganaste aos homens; enganaste a mulher na personificação de Eva, a mulher pecadora. Está dito que Maria, a personificação da mulher sem manchas, esmagar-te-á a cabeça; Maria vai chegar. – Um instante depois escreve lenta e docemente.
“Maria vem ver-te. Ela que te foi procurar no fundo do teu reino de trevas, não te abandonará. Ergue-te, Satã; Deus está pronto para te estender a mão. Lê “O Filho Pródigo”. Adeus.”
Num outro dia escreve: “Disse a Eva a serpente: “Teus olhos abrir-se-ão e serás como os deuses. O demônio disse a Jesus: Dar-te-ei todo o poder. A ti eu digo, pois que acreditas em nossas palavras: nós te amamos; serás tudo … Serás rei da Polônia.
Persevera nas boas disposições em que te colocamos. “Esta lição levará a ciência espírita a dar um grande passo”.
Ver-se-á que os bons Espíritos podem dizer futilidades e mentiras para divertir-se a custa dos sábios.
Disse Allan Kardec que um péssimo meio de reconhecer os Espíritos era fazê-los confessar Jesus em carne. Eu digo que só os bons Espíritos confessam Jesus em carne; e eu o confesso. Dize isto a Kardec.”
Contudo o Espírito não teve pudor de aconselhar aos Sr. F. que imprimisse essas “belas máximas”. Se o tivesse feito, certamente as teria publicado, o que seria uma coisa errada, porque as teria distribuído como coisa séria.
Encheríamos um volume com todas as tolices que lhe foram ditadas e com as circunstâncias que se seguiram.
Entre outras coisas fizeram-no desenhar um edifício de tais dimensões que as folhas de papel, coladas umas às outras chegavam à altura de dois andares.
Observe-se que em tudo isto nada há de grosseiro ou de banal. É uma serie de raciocínios sofísticos, encadeando-se com a aparência de lógica.
Nos meios empregados para o embair há realmente uma arte infernal, e se nos tivesse sido possível relatar todas essas manifestações ver-se-ia até que ponto era levada a astúcia e com que habilidade para isso eram empregadas palavras melífluas.
O Espírito que representava o papel principal neste negócio dava o nome de François Dillois quando não se cobria com a máscara de um nome respeitável.
Mais tarde viemos a saber o que esse tal Dillois tinha sido em vida. Assim, nada havia que admirar em sua linguagem. Mas no meio de todo esse aranzel era fácil reconhecer um bom Espírito que lutava, fazendo de quando em quando ouvir algumas boas palavras de desmentido dos absurdos do outro.
Havia um combate, mas evidentemente a luta era desigual. O moço de tal modo se achava subjugado que sobre ele a voz da razão era impotente.
Notadamente o Espírito de seu pai lhe fez escrever as seguintes palavras:
“Sim, meu filho, coragem! Sofres uma rude prova, que será para o teu bem no futuro. Infelizmente no momento nada posso fazer para te libertar – e isto muito me custa. Vai ver Allan Kardec. Escuta-o; ele te salvará.”
Efetivamente, o Sr. F. veio procurar-me e, para começar, contou-me sua história e eu o fiz escrever em minha presença; desde o início reconheci sem dificuldades da manhã à noite a influência perniciosa sob que se achava, quer nas palavras, quer por certos sinais materiais que a experiência dá a conhecer, e que não nos podem enganar.
Voltou várias vezes. Empreguei toda a minha força de vontade para chamar os bons Espíritos por seu intermédio, toda a minha retórica para lhe provar que era vítima de Espíritos detestáveis; que aquilo que escrevia não tinha senso, além de ser profundamente imoral.
Para essa obra de caridade juntei-me a um colega, e, pouco a pouco, conseguimos que escrevesse coisas sensatas.
Tomou aversão àquele mau gênio, repelindo-o por vontade própria cada vez que tentava manifestar-se e lentamente os bons Espíritos triunfaram.
Para modificar as suas idéias, seguiu o conselho dos Espíritos de entregar-se da manhã à noite a um trabalho rude, que não lhe deixasse tempo para escutar as sugestões más.
O próprio Dillois acabou confessando-se vencido e exprimindo o desejo de se melhorar em nova existência; confessou o mal que tinha querido fazer e deu provas de arrependimento.
A luta foi longa e penosa e ofereceu ao observador particularidades realmente curiosas.
Hoje o Sr. F. sente-se livre e feliz; e como se tivesse deposto um fardo. Recuperou a alegria e agradece-nos o serviço que lhe prestamos.
Algumas pessoas deploram que haja Espíritos maus. Realmente não é sem um certo desencanto que topamos com a perversidade neste mundo, onde gostaríamos de encontrar apenas seres perfeitos.
Desde que assim o é, nada podemos fazer: é preciso tomar as coisas como elas são. É a nossa própria inferioridade que faz com que pululem em redor de nós os Espíritos imperfeitos.
As coisas mudarão quando nos tornarmos melhores, como acontece nos mundos mais adiantados.
Enquanto esperamos, e desde que nos achamos ainda nos “basfonds” do universo moral somos advertidos; cabe, então, pormo-nos em guarda e não aceitar sem controle tudo quanto nos dizem.
À medida que nos esclarece, a experiência deve tomar-nos circunspectos. Ver e compreender o mal é um meio de nos preservarmos contra ele.
Não seria cem vezes mais perigoso ter ilusões quanto à natureza dos seres invisíveis que nos rodeiam?
O mesmo se dá entre os homens, pois diariamente nos achamos expostos à malevolência e às sugestões pérfidas; são outras tantas provas, às quais a nossa consciência e a nossa razão nos oferecem os meios de resistir. Quanto mais difícil for a luta, maior será o mérito do sucesso. “Quem vence sem perigo triunfa sem glória.”
Esta historia que infelizmente não é a única de nosso conhecimento, levanta uma questão muito grave.
Perguntar-se-á se não é um aborrecimento para esse moço o ter sido um médium? Não terá sido tal faculdade a causa da obsessão de que foi vítima?
Numa palavra, não será uma prova do perigo das comunicações espíritas?
Nossa resposta é fácil e pedimos que a meditem cuidadosamente.
Não foram os médiuns que criaram os Espíritos. Estes existiam de todos os tempos e de todos os tempos exerceram sobre os homens uma influência salutar ou perniciosa.
Para isto, pois, não é necessário ser médium.
A faculdade medianímica não lhes é mais que um meio de manifestar-se; em falta dessa faculdade agem de mil e uma outras maneiras.
Se esse moço não fosse médium, nem por isso ter-se-ia subtraído à influencia desse mau Espírito, que, sem dúvida, lhe teria feito praticar extravagâncias, as quais teriam sido atribuídas a qualquer outra causa.
Felizmente para ele a sua faculdade de médium, permitindo que o Espírito se comunicasse por palavras, por estas o Espírito se traiu; elas permitiram conhecer a causa do mal, que poderia ter tido conseqüências funestas e que, como se viu, nos destruímos por meios muito simples e racionais e sem exorcismos.
A faculdade medianímica permitiu ver o inimigo, se assim nos podemos exprimir, face a face, e combatê-lo com suas próprias armas.
Pode, pois, dizer-se, com absoluta certeza, que foi ela quem o salvou; quanto a nós, fomos apenas o médico que, tendo julgado a causa do mal, aplicamos o remédio.
Grave erro seria pensar que os Espíritos não exercem sua influencia senão por comunicações verbais ou escritas.
Essa influência é de todos os instantes e a ela, tanto quanto os outros, e mais do que os outros, acham-se expostos aqueles que não acreditam nos Espíritos, pois não têm um instrumento de aferição.
A quantos atos infelizmente não somos levados e que teriam sido evitados se tivéssemos tido um meio de nos esclarecermos!
Os mais incrédulos não se apercebem de que dizem uma verdade quando, em relação a um homem que se desencaminha, proclamam: É o seu mau gênio que o empurra para a perdição.
Regra geral:
Quem quer que obtenha más comunicações espíritas, orais ou escritas, acha-se sob ma influencia.
Esta se exerce sobre ele, quer escreva, quer não, isto é, seja ou não seja médium.
A escrita fornece um meio de nos assegurarmos da natureza dos Espíritos que atuam sobre ele e de os combater, o que se faz com tanto maior sucesso quanto mais e conhecido o motivo que o leva a agir.
Se ele for bastante cego para não o compreender, outros podem abrir-lhe os olhos.
Aliás, não é necessário ser médium para escrever absurdos.
E quem nos diz que entre todas essas elocubrações ridículas ou perigosas não haverá algumas cujos autores são impulsionados por Espíritos malévolos?
Três quartas partes de nossas ações más e de nossos maus pensamentos são frutos dessa sugestão oculta.
Perguntar-se-á se se teria feito cessar a obsessão, caso o Sr. F. não fosse médium?
Certamente. Apenas os meios teriam diferido, conforme as circunstancias.
Mas então os Espíritos não teriam podido encaminhá-lo para nós, como o fizeram; e é provável que a causa tivesse sido posta de lado, de vez que não havia manifestação espírita ostensiva.
Toda criatura de vontade e simpática aos bons Espíritos pode sempre, com o auxílio destes, paralisar uma influencia perniciosa.
Dizemos que deve ser simpática aos bons Espíritos, porque se ela atrai os inferiores é evidente que não se caçam lobos com lobos.
Em resumo, o perigo não esta propriamente no Espiritismo, desde que este, ao contrário, pode servir de controle, preservando-nos daquilo a que, mau grado nosso, estamos expostos; o perigo está na propensão de certos médiuns para mui levianamente se crerem instrumentos exclusivos de Espíritos superiores e da espécie de fascinação que não os deixa compreender as tolices de que são intérpretes.
Aqueles mesmos que não são médiuns podem ser arrastados. Terminaremos este capítulo com as seguintes considerações:
1º – Todo médium deve prevenir-se contra o irresistível empolgamento que o leva a escrever sem cessar e até em momentos inoportunos; deve ser senhor de si e não escrever senão quando o quer;
2º – Não dominamos os Espíritos superiores, nem mesmo aqueles que, não sendo superiores, são bons e benevolentes; mas podemos dominar e domar os Espíritos inferiores.
Aquele que não é senhor de si não o pode ser dos Espíritos;
3º – Não há outro critério, senão o bom senso, para discernir o valor dos Espíritos.
Qualquer fórmula dada para esse fim pelos próprios Espíritos é absurda e não pode emanar de Espíritos superiores;
4º – Os Espíritos, como os homens, são julgados por sua linguagem; toda expressão, todo pensamento, todo conceito, toda teoria moral ou científica que choque o bom senso ou não corresponda à idéia que fazemos de um Espírito puro e elevado, emana de um Espírito mais ou menos inferior;
5º – Os Espíritos superiores têm sempre a mesma linguagem com a mesma pessoa e jamais se contradizem;
6º – Os Espíritos superiores são sempre bons e benevolentes; em sua linguagem jamais encontramos acrimônia, arrogância, aspereza, orgulho, basófia ou tola presunção: falam com simplicidade, aconselham e se retiram quando não são ouvidos;
7º – Não devemos julgar os Espíritos por sua forma material nem pela correção da linguagem, mas sondar-lhes o íntimo, perscrutar suas palavras, pesá-las friamente, maduramente e sem prevenção: qualquer fuga ao bom senso, à razão e à sabedoria não pode deixar dúvidas quanto à sua origem, seja qual for o nome com que se mascare o Espírito;
8º – Os Espíritos inferiores receiam os que lhes analisam as palavras, desmascaram as torpezas e se não deixam prender por seus sofismas; às vezes tentam erguer a cabeça, mas acabam sempre fugindo, quando se sentem mais fracos;
9º – Aquele que em tudo age tendo em vista o bem eleva-se acima das vaidades humanas, expele do coração o egoísmo, o orgulho, a inveja, o ciúme e o ódio, e perdoa aos seus inimigos, pondo em prática esta máxima do Cristo: “Fazer aos outros como quereria que fosse feito a si mesmo”; simpatiza com os bons Espíritos, enquanto que os maus o temem e dele se afastam.
Seguindo estes preceitos, garantimo-nos contra as más comunicações, contra o domínio dos Espíritos impuros e, aproveitando tudo quanta nos ensinam os Espíritos verdadeiramente superiores, contribuiremos, cada um por nossa parte, ao progresso moral da Humanidade.
Allan Kardec
Livro: A Obsessão
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